sexta-feira, 26 de setembro de 2014
E então encontrei na rua, ou melhor, no caminho, uma
senhora. Ela vinha atravessando a rua em direção ao Nocaute, bar próximo a
Catedral de Goiânia. Caminhava como se fosse algo tão natural, com sua vasilha
de moedas a mostra e uma sacola de pertences pendurada no ombro. Tinha o rosto
humilde, feições tão sofridas quanto a própria vida, mas com uma felicidade de
dar inveja a qualquer rico por aí.
– Quando a noite vai,
quando o dia ‘invém’, como é bom encontrar com você também... – ouvi sua voz
cantar, assim que passou em frente à mesa que eu dividia com um amigo. Um amigo
que fazia um tempo que não saia e que, aliás, passei a ignorar assim que essa
senhora despontou na calçada.
Ela pitava um cigarro branco e passava pelas mesas sem
pedir absolutamente nada. Caminhava tranqüila e ia em direção a Praça
Universitária. Sua voz agora solfejava um lalala que continuava do ritmo da
música. Já eu, num impulso sai atrás dela. Queria ouvi-la, tinha algo nela que me
chamou atenção. Seu canto parecia querer ensinar algo.
– Boa noite, moça! Essa música que a senhora ta cantando
é de onde? – puxei assunto enquanto caminhava lado a lado com ela.
– É minha... – disse ela timidamente – é que minha voz
não está bonita como era.
– É muito bonita essa música – elogiei, enquanto ela
voltava a cantar menos tímida e até ensaiando um passinho de dança.
– Eu toco música e violão, mas não igual os outros que
você pede tudo o que quer e eles cantam, porque eu não sei – explicou ante ao
elogio – Eu sou tipo... Como é o nome? Poeta! Que inventa na hora, eu sou esse
tipo de gente.
Eu a olhava atentamente. Tinha algo nela que me chamava
atenção.
– mas agora a minha voz está diferente – continuou ela –
não é mais como antigamente, mas ainda tem dia que eu resolvo cantar. Tem outra
também: Vamos estrada a fora nos encontrar, como é bom viver e saber amar.
Porque Deus abençoa quem sabe amar.
– E a senhora mora por aqui? – perguntei finalmente.
– Ah! Eu sou menina de rua desde os sete anos – começou a
contar a história – aliás, de rua não, sou do caminho. Porque de rua todos nós
somos, tanto faz o rico quanto o pobre, assim que saímos de casa moramos na
rua.
Aquelas palavras me deixaram sem reação. Agora eu sabia o
porquê estava atrás dela, não era só a música. Mas seus olhos escondiam uma
sabedoria rara. Sabedoria que só se pode encontrar quando vivemos e passamos
por coisas suficientes.
Conversamos mais um pouco, pedi autorização para uma
foto. Dei um pouco de dinheiro e ela se despediu de mim.
– Eu sou como beija-flor agora que me viu uma vez, vai me
ver sempre. E quando quiser conversar e precisar de alguém, eu estou sempre por
essa rua, às vezes durmo na frente da delegacia, por que é mais seguro – disse
ela bailando ou quase – Boa noite, boa sorte no caminho e que Deus te abençoe.
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Criação Lúcio Vérnon. Tecnologia do Blogger.
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