terça-feira, 23 de setembro de 2014
Estava ali, em plena terça-feira. O sol dessa cidade
castigando seus já poucos cabelos brancos e seu corpo agachado próximo a uma
caixa de papelão que escondia um ‘tesouro’ alimentar. Estava ali, sendo
praticamente pisoteado e atropelado por todos que passavam cegos de sua
existência. E catava verduras, frutas, legumes, ou o que estivesse à mão e
fosse desperdiçado pelo super mercado Universo. Contei pelo menos três vezes o
encarregado da sessão de hortifrúti embicar um caixote de madeira em cima da
caixa em que catava, sem nenhum cuidado. Não aparentava se importar com quem
ali estava e muito menos disposto à delicadeza de oferecer, mesmo que restos.
Pra mim estava sendo um dia cheio, mas era hora do almoço
e caminhava de volta pra casa. Porém da esquina, a uma quadra, eu já conseguia
ver a cena. O catador vestia uma camisa pólo marrom tão sofrida de anos quanto
sua própria aparência. Olhava para os que passavam com certa vergonha e exibia
sua magreza, tamanho mirrado mesmo em posição quase fetal e mordiscando a
lateral boa de uma maçã apodrecida. Quando encostei, percebi que ele tentava
selecionar as melhores entre as frutas podres e as colocava numa outra caixa.
– Boa tarde! – desejei, eu, enquanto passava por ele tentando me lembrar de quanto havia na carteira.
Timidamente me lançou um olhar como quem agradece por
falar com ele, mas não respondeu de volta. Apenas gesticulou com a cabeça como
uma afirmação. Retribuí o olhar e entrei ao super mercado.
Lá dentro, discretamente tentei conferir o quanto tinha,
e bem... Final de mês sabe como é? Não me restava muito, apenas alguns
pouquíssimos reais e uma dúvida de se poderia gastar com ele. Sinceramente, duvidei de que conseguiria ajudá-lo comprando algo, mesmo que minimamente. Só que ao olhar pela grade o vi mordendo mais uma fruta completamente
manchada de marrom tal qual sua camisa e podre tais quais os 'cegos' que só não
tropeçavam nele por estar na mira de um poste de energia.
Não me aguentei. Comprei alguns cachos de banana, um
melão e dois mamões. Após isso, fui até a sessão de padaria, pedi três sanduíches desses
de mortadela e suco. Olhei pela porta e lá estava um funcionário do super mercado à porta, encarando-o como quem quer retirar um rato de sua
casa.
– Boa tarde! – desejei à caixa, que foi muito gentil comigo,
e ao funcionário. Logo em seguida, voltei ao catador.
Me aproximei, fiz um gesto oferecendo as compras
e então me veio a surpresa.
– Obrigado, meu senhor, mas vai te fazer falta! – disse sincero.
– De forma alguma, comprei para você mesmo! – retruquei
com sorriso – aqui nessa sacola tem algumas frutas. Pode levar elas, é melhor
que essas daí, não acha?
Ele ainda tímido, estendeu as mãos para olhar. Sorriu
quase que como criança e agradeceu separando e contando as frutas. Parecia mais feliz, agora.
– Já nessa sacola tem sanduíches para seu almoço.
– continuei sem esperar novamente outra reação.
– Que isso, meu senhor. Mereço isso não. Nem posso te
pagar! – afirmou humildemente.
– Não precisa me
pagar não, rapaz... – disse eu brincando com o fator dele ser mais velho que eu
e me chamar de senhor. – isso é para você comer melhor hoje. Faço
questão!
Ele levantou, pegou a caixa e a sacola. Olhou para um
lado e olhou para o outro. E num gesto simples, juntou as mãos ocupadas pelas
coisas e agradeceu pegando a sacola de comida. O
cumprimentei novamente e voltei para o meu caminho. Mas então...
– Ei! Senhor!! – ouvi ele gritando lá de trás e correndo
em minha direção – Aqui tem comida demais. Não vou conseguir comer tudo e não
vou ter onde guardar. Tome de volta esse! – me ofereceu um dos sanduíches.
De toda forma, tentei argumentar para que ele levasse e
comesse ainda hoje, em outra hora. Mas não houve acordo. Ele queria porque
queria que eu ficasse com um. Entendi que era um presente de agradecimento.
Sendo assim:
– Então vamos almoçar juntos. mas numa sombra né? –
praticamente ordenei a ele. Mas aceitou de pronto.
Achamos uma árvore no meio do canteiro central da Av.
Universitária. Comi o sanduíche e ele ainda ofereceu um pouco do suco
que dei. Nesse momento as pessoas já não pareciam tão cegas assim. Passava e olhavam para
aquela cena no mínimo pitoresca para elas, algumas faziam aceno de negação com
a cabeça, outras estavam quase que sem reação de passar perto de nós. E eu de
forma alguma me arrependi do meu almoço.
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