quarta-feira, 24 de setembro de 2014
– Que desperdício...!
Sim, essa foi a primeira frase que ouvi no momento em que
entrei na panificadora, próximo ao terminal Praça da Bíblia. A atendente olhava
para uma mesa com quatro homens vestidos com roupas esportivas. E outra logo
atrás suspirava corações partidos quando viu um dos quatro segurando a mão do
outro em forma aparente de carícia.
– Boa tarde, me vê um misto completo, por favor – falei
com a primeira atendente.
– E depois não
querem que o povo chame Goiânia de Gayânia... Boa tarde, moço! – falou olhando
para mim – você pediu o que mesmo?
– um misto completo, por favor – repeti o pedido sem
comentar a opinião da moça e fui até a geladeira buscar uma coca 600ml.
Na mesa os homens conversavam e riam enquanto faziam o
lanche. Não se importavam com as pessoas ao redor, ou ao menos não parecia. Já
eu tentava, da mesma forma, me concentrar apenas no lanche e na televisão que
passava uma notícia sobre o Eixo Anhanguera.
– Esse mundo está mesmo perdido, não acha? – veio uma
outra atendente, com minha ficha de compras na mão, perguntando sobre o grupo
na mesa.
– Acho que não. O mundo sabe bem onde está, entre Vênus e
Marte – disse eu rindo e tentando mostrar que não iria comentar sobre o que
elas queriam – senão ou já teríamos morridos queimados ou congelados. Apesar
desse calor todo – ri mais uma vez.
– Você tem razão – a moça disse após um riso também – são
as pessoas que estão perdidas – pegou um pano e começou a limpar o balcão.
Enquanto ela limpava, aproveitei o ensejo e fui para uma
mesa. Passei pelo grupo e me sentei. O dia estava muito quente e as
pessoas pareciam até nervosas com o sol. Deveria mentalmente rezar pela chuva
ou pela noite. Peguei meu celular para ler uma mensagem.
– Oi... Boa tarde! – Uma voz masculina soou por cima de
minha cabeça emborcada para ler a mensagem. Olhei. Era um dos que estavam ali
sentados.
– Boa tarde! – Respondi, normalmente.
– Desculpe te interromper aí, mas é que eu vi você
entrando e queria te oferecer um pacote na minha academia – fez uma pausa para
voltar à mochila e pegar um cartão, nesse momento a atendente veio me entregar
o pedido – você tem namorada? – A moça expressou uma cara de susto por uma
fração de segundos e voltou para o balcão.
– Tenho sim, ela até trabalha aqui perto – respondi a ele
enquanto observava o interior da padaria.
– Então vai servir para vocês dois! – Disse ele num tom
mais animado – Minha academia está começando agora e se você se interessar
posso dar um desconto de 50% para você e para sua namorada.
Lá dentro as mulheres agora olhavam para a mesa onde esse
homem estava sentado e para nós. Elas balançavam a cabeça, resmungava algo
inaudível e quando tinha tempo atendia um cliente. Fiz um sinal para que uma
viesse me atender novamente.
– E quanto seria a mensalidade com o desconto – perguntei
com certo interesse.
– Apenas R$ 140,00 para cada – me respondeu, como se eu
não fosse achar caro o valor – lá você terá lutas, dança e a musculação – me
entregou o cartão.
– Mas isso a academia em frente ao posto ali oferece e
por um preço mais barato – tentei negociar – Não há nada mais que você possa
fazer para baixar o valor?
– Posso dar uma atenção especial para você – Disse.
A atendente chegou bem na hora, ficou um tanto
envergonhada, com a fala do homem.
– Por favor moça me traz um pedaço daquele pudinzinho –
disse eu numa voz afeminada e sarcástica. Ela saiu ainda envergonhada. O homem
riu.
– Por que essa voz para pedir um pudim? – falou meio sem
jeito, mas rindo.
– Antes de me sentar aqui, elas estavam reclamando que
vocês são um desperdício por serem gays – respondi – ao menos elas acham que
são.
O homem não agüentou e riu ainda mais alto. Conversamos um
pouco mais sobre a academia, também me explicou que aqueles são sócios e que
sim um deles é gay, mas que ele não. A moça voltou para entregar meu pedido.
Ele se levantou.
– Prazer, meu nome é Carlos. Apareça na academia que
conversamos – olhou para a moça e me deu uma piscadela. O grupo logo saiu da
padaria.
– Nossa! Você também é gay? – disse a atendente,
finalmente – Desculpe falar, mas você também é um desperdício. Tão bonito,
poderia ficar com tantas mulheres...
(Eu ri. Fazer o quê?)
– Desperdício nada, meu amor... Outros hão de se divertir
comigo – respondi estereotipado e sai rindo.
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