segunda-feira, 10 de novembro de 2014
Era só mais um dia ‘incomumente’ normal. O dia tinha sido tão cheio quanto podia no setor Marista. As notícias corriam desde acidente, de um trânsito desumano nessa capital, à pessoas que foram assaltadas em pontos mais distantes do bairro. O salão de beleza do bairro estava cheio de mulheres querendo fazer apliques, maquiagens, cortes, hidratações para combater as pontas duplas, entre outras. Eu já estava cansada de ficar em pé, andando de uma cadeira a outra até o anoitecer.

Assim que saí do serviço meu telefone tocou. Pensei que fosse algum cliente ou minha chefe, quase não atendi. Era o pai do meu filho. Há um tempo nos separamos, mas até pelo motivo de que temos um filho juntos, resolvemos tudo amigavelmente e mantivemos contatos, sem nenhum interesse. Ele queria um pouco do meu tempo, “precisava conversar, desabafar.” Dizia.

 Pensei um pouco, mas aceitei. Só precisava chegar em casa e tomar um banho. Ele queria me encontrar ali perto de casa, Avenida Goiás. Eu queria comer qualquer coisa e ali perto tem alguns espetinhos e até mesmo um ‘Subway’. O único problema são os pedintes, aquela região quando o sol se põe, vira um local de aglomerações de pedintes, muito deles drogados.

Tomei meu banho e em menos de dez minutos, o interfone do apartamento tocou. Era ele. Desci, não vestia nada de mais, meus cabelos estavam amarrados para trás. Afinal calor nessa cidade é comum até debaixo de chuva.

 – Você está linda... – me elogiou.

Agradeci e até brinquei um pouco com ele, caminhamos para a Avenida. Sentamos sob um poste de luz alaranjada.

– Você sabe que uso drogas já tem um tempo e queria me endireitar... – Começou a conversa a seco mesmo – Não quero voltar, não é isso. Apenas quero mesmo me endireitar, mas não consigo. Só não queria ser julgado por isso.

Ele nem bem começou a falar, chegou um rapaz, maltrapilho, um tanto fedido de suor, e extremamente magro, chegou perto.

– Ei! Boa noite! – Dizia o rapaz – Desculpa está atrapalhando vocês, esse casal bonito, mas é que eu queria pedir uma ajudinha para comprar uma pinga...

– Me diz a verdade rapaz! – Disse o pai do meu filho – Você quer é comprar Crac não é?

– Não! Tá doido! Mexo com isso não moço! – Respondeu de volta, aquele rapaz com um rosto até de espanto – Vê se eu tenho cara disso. Crac mata, graças a Deus eu só uso a maconha e bebo pinga.

– Não se ofenda com ele – disse ao rapaz, tirando dois reais do bolso, e querendo dar uma lição no meu ex – é ele quem usa a pedra.

O rapaz que esboçava susto, agora mostrava um rosto de desespero, quase. Ele pediu licença para comprar a pinga. Mas não sem antes pedir para esperar. “Ei! Olha, espera um pouco vou só comprar a pinga e já volto para a gente conversar”, disse. E não deu outra, voltou em menos de cinco minutos, com uma dessas garrafinhas de bebida.

– Rapaz, faz isso com sua vida não! – começou a dizer o rapaz, magro, mal vestido e até um pouco fedido – você me desculpe a sinceridade, não sou gay não, mas um homem bonito igual você se acabando de fumar a pedra, meu irmão! Se mate logo, é até melhor... Ninguém da sua família merece esse sofrimento de ver você se acabando aos poucos assim não. Olha eu estou me matando, mas é de pinga. Eu sei disso. Mas ainda posso me recuperar mais rápido, já seu caso, é triste, ‘véi’... Faz isso com sua vida não!

Meu ex ficou olhando para ele quase desacreditando. Um drogado e bêbado estava dando uma lição de moral nele.

– Eu já usei muitas drogas, ‘véi’ – continuou – Mas aí eu fui para uma clínica de recuperação e até que me consertei. Mas só fui depois que uma vez, meu pai adoeceu e não pude visitar meu pai, porque estava drogado e bêbado. Aí eu fui pra clinica. Se você me vê bebendo agora é porque eu tive uma recaída, no natal de três anos atrás. Mas se Deus quiser vou me livrar disso também, é só o que me falta. Hoje eu não tenho dinheiro, mas amanhã vou receber um dinheiro do meu acerto de conta do Restaurante cidadão. Se deus quiser eu vou melhorar. Não faz isso com sua vida, ‘véi’. Se quiser eu te passo o número da clinica.

O pai do meu filho continuava atônito. Mas pediu o rapaz para mostrar as mãos. Para quem não sabe as mãos de quem usa o Crac são completamente desgastadas nas pontas dos dedos. A do bêbado estava completamente normal. Já a do meu ex... Puxei a mão dele e mostrei para aquele que estava dando a lição de moral.

– Olha para isso, ‘véi’ – entrou em desespero, o rapaz – você já está até morto, se mate logo se vai continuar com isso. Olha suas mãos, isso aí é para quem já morreu e ainda não viu... Faz isso não, ‘véi’... Vai por mim, liga para a clínica.

Ele falou o número de cabeça, mesmo bêbado, levantou-se e foi embora. Eu anotei rapidamente. Meu ex, agora já não queria mais falar, na verdade acho até que se quer tinha o quer falar, após um sermão dado por outro drogado. Ele também se despediu de mim, após o rapaz ter ido embora.

Acordei no outro dia ainda encabulada. O celular piscava uma nova mensagem não lida.

“Hoje estou indo para a clínica, espero que eu goste do local.” Era o número do Pai do meu filho.

História contada por Jaciara. Cabelereira.

Pesquisar

Facebook

Criação Lúcio Vérnon. Tecnologia do Blogger.

As mais lidas

Visitantes

3958