terça-feira, 28 de outubro de 2014
Se tem uma coisa que preciso fazer com uma grande urgência, é mudar os lugares que resolvo comer. Não pelo motivo de serem ruins, mas pelo fato de que atualmente não andam fazendo muito bem para minha sanidade mental. Sério, devo ter cara de: “vamos lá, que tal me importunar um pouco? Não estou fazendo nada mesmo!”

O dia ia muito bem. Só para variar acordei alguns minutos atrasado do horário em que eu deveria começar a pensar nas coisas de trabalho. Mas ainda assim, até pela fome matutina que não é pouca, resolvi tirar uns 20 minutos para um café rápido. Vantagem de quem não tem exatamente um chefe.
Comecei a caminhar pela Avenida Anhanguera, ao lado do Terminal Praça da Bíblia – que, aliás, não importa quanto batom o Governo resolva passar, nunca está com uma cara humanizada ou minimamente digna de nós, gado dos políticos, frequentarmos. Os carros passavam acelerados por aquela parte da rua estreita que mal tem dois metros de largura, e a calçada, teoricamente lugar seguro de caminhar, era compartilhada por pessoas, motos que buscavam sair de trás dos carros e, claro, automóveis estacionados como se ali fosse um simples estacionamento rotativo onde pedestres aprendem a voar por cima deles.

Enfim, escolhi dessa vez o Subway recém inaugurado. Era o lugar mais vazio da região e mais perto. Além do mais faltavam apenas duas horas para o almoço e já que eu estava me atrasando para começar meus afazeres, nada mais justo que atrasar também o horário do almoço para o período da tarde.

Escolhi o ‘sanduba’ de sempre, Teriyaki. A atendente foi extremamente solícita e rápida para a montagem do sanduíche. Conversei com ela um pouco, brinquei com a presença de uma supervisora da franquia. Recebi o sanduíche e procurei um lugar no canto. Um lugar onde eu ficasse praticamente de costas para qualquer um que entrasse, me concentrando apenas em comer e num e-book do meu celular.

– Bom dia, eu poderia trocar um minuto de palavra contigo? – ouvi uma voz atrás de mim, ao mesmo tempo em que começava a perguntar a Deus o motivo de quase nunca poder comer em paz nesse Setor.

O rapaz vestia roupas de marca e trazia uma prancheta e papel com algumas assinaturas. Porém o que me chamou a atenção foi a margem que me deu para imaginar o que seria o ‘um minuto de palavra’. Na verdade nunca pensei em cronometrar as palavras para chegar a um minuto, mas enfim, consenti a conversa, pois aprendi desde pequeno que não devemos negar algo apenas pelo preconceito.

– Você está satisfeito com o resultado dessa votação, que deve ter sido forjada? – Perguntou.

Pensei um pouco: por que essas coisas acontecem comigo? Não é possível que seja coincidência pessoas resolverem puxar assuntos sem fundamento.

– Rapaz... Sabe, eu estava satisfeito mesmo era comendo meu sanduíche sozinho. Já com a eleição não tenho que ficar satisfeito ou insatisfeito. Primeiro porque não apoio nenhum dos dois, depois, porque o voto é democrático, vence a vontade da maioria, mesmo que eu não concorde – respondi, tentando já até desviar o olhar para que ele não continuasse ali, mas em vão, parece que o ‘minuto de palavra’ não havia acabado.

– Entendo senhor... Mas veja bem, você acha certo esse resultado? Muitas pessoas, inclusive, não conseguiram votar, outros nem votaram. Como aceitar essa eleição forjada? – Alterou um pouco a voz, para um tom de indignação.

Sinceramente, quase engasguei com meu teriyaki. Não entendo de onde o povo tira essas argumentações. Duvido muito que os professores brasileiros, apesar do baixo salário, tenham deixado de ensinar o mínimo de interpretação, senso crítico e principalmente a importância da leitura para que, num futuro, não se tornem sujeitos ‘coxinhas’ como esse rapaz que insistia em falar comigo, mesmo eu só querendo comer.

– E ainda tem outra, até quando vamos aceitar que esse povo pobre, comprado pelo assistencialismo, possa votar? Olha o caso do Nordeste, lá só tem pobre, burro e que mama nas tetas do Bolsa Família porque é mais fácil receber benefícios pagos por nós, eu, você, todo mundo, do que ir trabalhar de verdade – Continuou a literalmente defecar pela boca – é por isso que precisamos desse abaixo assinado, para acabarmos com tudo isso. Seja com impeachment ou com os militares no poder.

“Ok vamos lá! Respira... É só um merda de idealista... Não precisa traumatizá-lo até a quinta geração... Seja humano! Aplique o que você aprendeu com sua religião, em casa, etc...” – Pensei.

Respirei fundo. Ele estendeu a prancheta para mim, enquanto meu semblante não era o irônico de sempre, sobrancelha para cima. Muito pelo contrário, meu rosto estava praticamente transfigurado pela raiva. Por um momento imaginei minha mão em sua garganta. Já em outro divaguei, silenciosamente, como seria ele falar isso para um outro nordestino só que de pavio mais curto.

– Macho... Num se ofenda muito não... – Respirei fundo, pensei mais um pouco sobre o que eu ia dizer, mas dessa vez sem conseguir esconder meu sotaque de nordestino, algo que só aparece quando estou nervoso. – Mas acho que você não sabe o que veio falar e para quem.

Minha fala ia se tornando cada vez mais ‘nordestizada’, o rosto do rapaz se tornou num notório semblante de susto.

– Em primeiro lugar, me responda só uma coisa, quem diabos você pensa que é para querer julgar o voto brasileiro como um todo? Ora quem não votou ou não conseguiu votar, independente do motivo, irá pagar justamente pela falta de civilidade. Ou você acha que por você não poder ter ido numa entrevista de emprego, o empregador vai ter que segurar sua vaga? – respirei mais um pouco enquanto esperava ele esboçar qualquer resposta que não fosse um simples balbuciar de ‘mas... mas..’ e continuei – E em segundo lugar, que Cara*lho de comentário é esse sobre pobre? Tenho certeza que você vestido todo nesses panos usa no mínimo utiliza de algum benefício do Governo Federal mesmo sem precisar, tipo FIES.

O rapaz estava começando a ficar vermelho de vergonha e a moça no balcão de atendimento encostava cada vez mais para ver o que estava acontecendo, afinal como que um cliente que chegou sorrindo e brincando com ela, do nada estava tão estressado, mesmo sem aumentar o volume da voz.

– Outra coisa, você já foi no nordeste para falar uma merda dessa? Acho que não, porque se tivesse ido ao menos para passar uma temporada de carnaval, coisa que sua classe adora, saberia que muitos ali antes de recorrer a qualquer ajuda do governo, busca, primeiro, um bom emprego, ou mesmo qualquer emprego que lhe pague o digno – continuei falando, enquanto encarava bem os olhos do menino que parecia perder a cor – se por ventura um nordestino tem o Bolsa Família, como disse, é justamente por ser explorado por pessoas durante o trabalho de forma a não conseguir uma renda suficiente para a própria subsistência de sua casa. Além disso, não houve nenhum governo que tentou de fato ajudar os nordestinos, o único que surgiu com pelo menos promessa é esse que está há 12 anos. Para pessoas como você, é fácil falar de qualquer benefício, pois nunca precisou, mas utiliza para tirar vantagem em cima de quem realmente necessita e aparecer por aí contando vantagens.

O rapaz parecia suar. Queria falar algo, mas não conseguia sair de sua garganta.

– E por fim quanto a essa sua ideia ridícula de golpe militar, só uma coisa... Enfia essa merda de prancheta no lugar de teu corpo que te faz feliz e vá estudar um pouco de história do Brasil. Porque se por ventura houver, espero, sinceramente, que seja o primeiro a ser levado por falta de massa cefálica.

O rapaz se levantou. A moça no balcão começou a rir assim que o viu abrir a porta do estabelecimento e sair, sem conseguir dizer mais uma palavra sequer. Quando saí, agradeceu as minhas palavras para aquele sujeito, se sentiu vingada por também ser nordestina e ter que acordar as 4h da manhã só para ir trabalhar e ter que ouvir isso.

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