quinta-feira, 30 de outubro de 2014
E
aí não teve jeito. Matreira como toda dor é, surgiu assim do nada, logo abaixo
do peito. A respiração ficou complicada, como se quisesse evitar a movimentação
muscular do tórax e o ar faltou. Não sabia o que era. A última vez que tinha
sentido isso eu tinha tomado um chute bem dado de um companheiro de Karatê
Shotokan, mas, ainda assim, durou por algumas horas e depois fomos nadar, como
se nada houvesse acontecido.
Essa
dor de hoje não parecia que queria ir embora e olha que tentei argumentar,
massagear, aplicar ‘Arnica’ (Gelol do Centro Oeste vendido nos melhores
caixeiros de rua), chá e até remédio para relaxamento muscular, nada adiantou.
Essa dor veio birrenta, briguenta de forma a me obrigar a tomar o rumo do
Araújo Jorge, hospital público de referência em Goiás e o mais perto de casa.
Apesar
de ser público, o atendimento foi tranqüilo e rápido. A enfermeira da triagem,
me chamou em menos de 15 minutos de espera e ainda pediu desculpas pelo atraso.
Antes de mim ela atendia uma senhora com um problema sério de necrose no pé
direito devido ao constante hábito de pitar aquele velho Carlton; Eu vi a
carteira de cigarro na mão do filho.
Durante
a triagem a enfermeira questionou meus sintomas, aferiu minha pressão, verificou
a percentagem de oxigênio no sangue, verificou a temperatura e verificou, no
tato, qualquer possibilidade de fratura ou micro fratura do tórax. Achei
extremamente rápido a triagem que, em meu relógio, durou apenas três minutos, e
olha que sem querer retirei o termômetro do braço. Entretanto, ao final, ela afirmou que devido o
caso não se tratar de algo de risco, seria melhor eu buscar uma consulta no
cais ali próximo. Pesquisou no seu aplicativo o Cais mais perto.
Cais
em aqui em Goiânia é uma sigla que significa: Centro de Assistência Integral a
Saúde. É um órgão criado pela prefeitura do município para, teoricamente,
agilizar a demanda de pacientes na capital. Entretanto funciona completamente o
contrário. Basta fazer uma pequena visita a qualquer um deles. Infelizmente
hoje fui ao Cais do Setor Vila Nova.
Minha
chegada foi pontuada na ficha de atendimento às 10h30. Não havia notado ao
redor, para ver quantas pessoas estavam esperando. A dor era forte e,
sinceramente, eu queria saber o que era isso o mais rápido possível.
O
rapaz do atendimento, até simpático, perguntava meu nome ainda quando chegou
uma ambulância dos Bombeiros com duas pessoas e uma maca às pressas. Essa foi a
primeira interrupção, porém até rápida. Olhei ao redor para ver as pessoas,
muita gente sentada. O atendente voltou continuou o preenchimento da papelada,
e assim que terminou encaminhou para alguma sala, até então pensava que era
para um médico. Resolvi me sentar.
Só
nesse momento, percebi de fato o que era de gente esperando atendimento naquele
lugar. Num canto escondido, numa cadeira de rodas, uma senhora chorava calada,
segurando a bengala. Seu filho permanecia atrás dela, também silencioso, mas
com uma feição um tanto quanto sisuda e encarando bravamente o relógio. Uma
criança corria no meio da sala de espera, enquanto a mãe brigava com ela de
longe, pedindo para não pôr as mãos no chão devido a possíveis doenças.
–
Elisângela! – Berrou um médico pela porta de metal, daquelas que se coloca em
cadeia. Ninguém se levantou.
–
Elisângela! – Gritou novamente e alguém lá de fora do estabelecimento, correndo
com um copo de plástico na mão, entrou com o doutor.
A
sala tinha muita gente, muitas estavam em pé, pro falta de acento, outras
sentavam no meio fio, do lado de fora, em frente a porta de entrada para o
Cais. Liguei meu celular para ler algum e-book. Afinal tinha umas 40 pessoas
naquele lugar, porém o ritmo de chamada até que era rápido. O tempo passou.
Me
perdi na leitura, como se não mais estivesse com dor, mas outra ambulância
chegou e me lembrei que estava num posto de saúde, e que estava com dor no
peito. Puxei o ar e ele não veio. Olhei para o relógio. Já era meio dia.
–“Como
assim meio dia?” – Pensei preocupado, pensando que já haviam me chamado e para
variar, viajando na leitura não tinha ouvido. Levantei para ir ao balcão pedir
informações.
–
Lúcio Vérnon! – Ouvi um berro vindo da porta bem na hora.
Pensei
que fosse uma médica me chamando, mas não, era só uma triagem. Novamente
aferiram minha pressão, verificaram a temperatura, porém não viram o percentual
de oxigenação do sangue, mesmo eu tendo falado que não estava conseguindo
respirar normalmente. Muito pelo contrário, me despacharam e informaram que a
ficha agora iria para o médico.
Fui
ao atendente, queria saber quanto tempo iria ter que aguardar, em média, para o
atendimento médico, além das quase duas horas de espera para uma triagem. De
pronto, rindo, me informou que só mais 30 minutos, pois eu era o quinto na fila
de espera. Sendo assim tudo certo, só mais meia hora. Busquei um lugar para
sentar.
Dessa
vez não fiquei lendo. Olhava para cada pessoa em particular e, sinceramente, me
assustei em novamente ver aquela mesma senhora, no canto, chorando, sentada em
uma cadeira de rodas e segurando a bengala. Seu filho continuava olhando
bravamente o relógio, mas agora com uma fisionomia mais impaciente, porém
resignada a esperar.
Novamente
o tempo passou. Pessoas entravam, outras eram chamadas, bombeiros entravam com
suas macas apressadas, crianças brincavam, a senhora chorava, outras senhoras
também. E só então me dei conta o relógio da parede estava errado. O ponteiro
ia e voltava fixamente. Busquei meu celular, já eram 16 horas. Perdi
completamente a noção do tempo enquanto esperava. O primeiro atendente já não
estava lá. Os pacientes eram os mesmos, todos só haviam ido para a triagem e lá
fora ainda tinha mais gente.
A
dor parecia aumentar, fui ao balcão. Pedir novas informações. Uma das mulheres
sequer levantou a cabeça. Tiraram a cadeira de roda da mulher e pediram para
ela sentar em outra cadeira, pois o hospital, supostamente precisava dela. Eu
comecei a conversar com os pacientes ao redor buscando saber o tempo que eles
esperavam. E choquei. Alguns esperavam desde as oito horas da manhã. Tirei foto
do lugar. Um segurança perguntou o que eu estava fazendo, tentando me barrar.
Identifiquei que era jornalista e que, se tocasse em mim ou no meu celular, eu
iria denunciar à polícia.
O
tempo passou outra vez, enquanto eu colhia informações. Desisti do atendimento
por volta das 18 horas, afinal se eu não havia morrido por falta de ar. Não
seria naquela hora que morreria. Fui ao balcão pedir que retirassem meu nome da
fila de espera.
–
Mas senhor, o que está sentindo? – perguntou uma das atendentes, quando ouviu
eu reclamar.
–
Agora apenas raiva! – Saí do hospital.
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