terça-feira, 21 de outubro de 2014
Como caso raro de acontecer, no amanhecer de hoje o sol surgiu
de forma tão surpreendente que só fui ver perto das 9 horas, quando iluminou
meu quarto. Afinal, quem nunca acordou atrasado para algo? Tudo bem que comigo
acontece sempre. O céu estava limpo, e o chão repleto de roupas que eu juro,
mãe, vou lavar em algum momento. Mas enfim isso que comecei a narrar não tem
absolutamente nada haver com o que eu queria contar... Entretanto como é um diário,
vale a pena o lembrete da roupa.
O que importa é que hoje estava um dia como outro qualquer. Um
dia daqueles normais, que pensamos: "Hoje nada pode acontecer de
estranho!!"... Mas como diz uma grande amiga flamenguista e que jura de
pés juntos que tem 1,75 (um dia ela chega lá, saltos existem para isso): “Murphy
deve me amar muito”.
No final de tarde, eu precisava fazer uma longa caminhada até a
esquina do meu prédio, ia acompanhar meu pai à viagem de volta para a minha
querida Bahia de todos os santos e tudo começou a degringolar ali. Toda aquela
normalidade que presenciei nas minhas incríveis nove horas acordado estava
pegando 'o primeiro avião, com destino a felicidade'. E o pior que eu nem podia
entrar na sala de espera para tentar impedir...
Enfim, estava meu pai e eu esperando o ônibus da Novo Horizonte,
também conhecido como quebra nordestino, despontar pela esquina da Av.
Independência. Pessoas iam se aglomerando na calçada com o mesmo propósito trazendo
diversas malas. E como já sabemos, onde há humanos há conversa de todos os tipos
e reações estranhas. A maior prova disso que digo é que ali perto, sentada à
soleira de uma farmácia, estava uma mulher, muito bem vestida, com todo tipo de
penduricalho, e que acho que única idéia que tinha era de tentar se parecer uma
árvore de natal em pleno outubro, pois sem se dar conta do local e das pessoas
em volta, ela começava a falar mal de baianos.
– Não sei o que baiano tem que vir fazer aqui em Goiânia.
Não tenho nada contra, mas acho que esse bando de gente preguiçosa, que leva
mala para tudo quanto é lugar devia mais era ficar preso em casa mesmo.
Uma multidão passou a olhar para ela com cara de poucos amigos.
Meu pai, como quase sempre, ignorava as pessoas que ele não conhece. Eu
totalmente o contrário, e muito menos esperto por isso, estava atento à mulher
falando pelo 'a...' cotovelo. E analisando a fala dela, sinceramente acho que
ela teve algum desafeto baiano, ou algum relacionamento que não deu muito
certo. Ela ofendia de várias formas o estado.
– Ah! Que se fosse eu, eu que não ia para Bahia, lá só
presta o carnaval. Me diz uma coisa que na Bahia tem de bom, fora o carnaval.
Povo que não tem noção de nada, cambada de nego fedido e preguiçoso, só vem
aqui para atrapalhar a passagem.
A cada palavra, pessoas encostavam mais, todos a olhavam como
Hienas famintas vendo carne frescas. Mas quer saber, me compadeci...Vai que era
doença...
–
Moça... sabe o que é? – disse eu cochichando e indo até ela, tentando ser o mais
humilde possível – é que eu sou baiano e acho que todos esses quase 20 ao seu
redor também. Então assim, sem querer te ofender muito, seja um pouco mais esperta
e fique quieta, antes que apanhe de um deles com esses comentários.
Sai sorrindo para ela, como se ela fosse minha melhor amiga. Ela
me olhou estarrecida, quase como se de repente acordasse de um sonho maravilhoso
onde podia ser preconceituosa sem nenhuma reação alheia... E claro, se calou, tentou
disfarçar e foi para seu carro do ano, enquanto alguns ainda a seguiam com
olhar e outros ensaiavam uma vaia.
O ‘quebra nordestino’ chegou bem na hora, para o desespero da
moça que ficou presa dentro do carro, entre o ônibus e um bando de baianos
nervosos com os comentários dela. Meu pai embarcou. Antes, se despediu,
despachou a mala e cumprimentou o motorista. Penso até que, no grau de
indiferença dele, se quer deu importância para a mulher ou para o que
acontecia. Sorriu para mim com uma piscadela e partiu.
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