terça-feira, 7 de outubro de 2014
E sequer havia nem chegado o meio dia nessa cidade, mas eu já estava morrendo de fome. Preferi então, ao invés de ir até em casa para cozinhar, almoçar num restaurante perto, o preço estava agradável de pagar e o local cheio de clientes, apesar de ser apenas 11h30. Assim que entrei cumprimentei o rapaz que entregava a comanda na porta do restaurante – hábito comum em Goiânia – e fui lavar as mãos. Porém havia uma pequena fila.

– Você viu o resultado da eleição? – Disse uma mulher com um crachá de uma repartição pública situada no Jardim Goiás, para outra que estava à frente – Elegeram novamente a Dilma. Porque mesmo tendo o segundo turno, é muito provável que ela ganhe novamente. Esse povo é mesmo muito burro.

 – Esse povo nada – defendeu-se a outra mulher que se vestia bem e falava num sotaque gaúcho– na verdade ela foi eleita por aquele povo lá no nordeste. Eles só prestam para isso. Ganham uma bolsa família e pronto, ta tudo resolvido. Cambada de gente burra são eles lá do Ceará, do nordeste inteiro.

Aqueles que me conhecem, sabem bem de minha origem. Sou baiano de nascença graças ao Senhor do Bonfim, mas meu fim mesmo está sendo ouvir e ler tanta baboseira sobre nordestinos, desde o Twitter, Facebook, até conversas como essas. Parei de ouvir, me irritei logo de cara. Saí de perto. Peguei um prato, sem lavar as mãos mesmo, e fui pôr meu almoço. Estava contrariado, mas com fome.

A comida tinha um cheiro muito bom, o tempero era baiano, conforme me informou o garçom. “E fiquei pensando, as moças reclamam de nordestinos, mas de comer à nossa moda elas gostam...” Passei a ignorá-las para não me meter em preconceitos alheios. Procurei uma mesa e me sentei próximo a TV. Estava passando o noticiário local. Não tinha nada de muito interessante, só o de sempre, sensacionalismo e falso assistencialismo dos canais de Goiânia.

– Aí tinha um baiano na rede, largado – ouvi um rapaz começar a piada na mesa do lado – lá na frente uns 30 metros vinha uma cobra.

O outro rapaz prestava atenção. Eu ouvia a piada com interesse, não pela história, mas pelos trejeitos que o rapaz contava.

 – de repente ele grita para a mãe – continuou a contar, mas agora forçando um sotaque inexistente – ‘ôh mainha... A sinhora tem remédio para picada de cobra?’ A mãe olhou e perguntou: “oxe meu fih pra quê você quer isso? Foi picado é? O menino respondeu: “picado num fui ainda não, visse, mas é que ela já évem ali.”

Sinceramente até que ri internamente da forma que foi contada, a piada eu já conhecia. Na verdade foi uma das primeiras que ouvi nessa cidade. O acompanhante do rapaz que contou riu também, mas...

– Sabe o que é pior? Baiano é preguiço mesmo não é? – disse o outro que ouvia a piada – nunca vi tanta preguiça, só quer saber de farra. Trabalhar que é bom nunca. Lá em São Paulo as coisas não são assim não...

Parei de ouvir novamente. Me concentrei na TV. Como eu disse anteriormente, não queria me meter no preconceito alheio. Mas confesso que a língua coçou. Terminei o almoço, quieto. Não sossegado, mas quieto. As pessoas em volta já conversavam sobre outras coisas e aparentemente nenhuma delas havia percebido minha cara de ira quando eles resolveram falar sobre nordestino.

Saí do restaurante pensativo. Não sei qual é a doença, mas ultimamente parece estar infectando cada vez mais a população, teoricamente esclarecida, com a idéia de que é do nordeste que vem de tudo que é ruim e que é do mesmo lugar a culpa da corrupção dos partidos no governo. Como se já não sofrêssemos o suficiente com um povo que nos chama de todos os nomes pejorativos possíveis, apenas por termos nascido num lugar onde falta, sobretudo, água. Porém me respondam uma coisa quem mora na região sul, e a Cantareira vai bem?